Iassana Scariot
A frase “minha amiga se formou”, aqui na Argentina, ganha um sentido diferente. Sabemos que quando a migração acontece os panoramas mudam por completo, adentramos um lugar com diferentes códigos culturais, e também, diferentes maneiras de celebrar os rituais. Conhecer é diferente de gostar ou concordar, mas quando se migra, sabemos que precisamos conviver com essa diferença e ter a escolha (consciente ou inconsciente) de participar desses processos.
Aqui na Argentina a faculdade termina sem terminar (aqui me refiro aos cursos da saúde). Explico, o momento mais comemorado, onde familiares e afetos se encontram para celebrar é o dia da última prova da faculdade. A tradição é realizar o famoso trote (no Brasil é quando se inicia o percurso, aqui acontece quando ele termina), conhecido como momento de “recibida”. Porém, após essa última prova, no caso da carreira de medicina, ainda virão os estágios em hospitais e centros de saúde.
No fim de um ciclo e no início de outro ocorre uma mistura de sentimentos, daqueles que foram e ainda serão vividos. Muitas alegrias pelas conquistas, pelos desafios superados, pelas pessoas que se conheceram nesta trajetória, pelos amores vividos, pelos lugares desbravados, pelos sabores descobertos ou recuperados. Muitas tristezas pelas perdas neste percurso, pelas ausências e despedidas, pelo tempo que não voltará, pelos mesmos desafios, mas aqueles que não foram ultrapassados, pelas frustrações, pelas expectativas não alcançadas, pelos medos desenvolvidos, pelos sentimentos de impotência frente à situações complexas. Geralmente, quando falamos do passado, é comum se sentir mais apropriado a partir do relato dessas experiências. Mas, e quando falamos do futuro? O que ainda não sabemos, tudo isso que mencionei acima, também, é cabível. Um toque de expectativas e incertezas que se misturam neste corpo que se assusta e ao mesmo tempo se anima a seguir adiante, em direção ao novo, ao desconhecido.
Como amiga, fico muito feliz em fazer parte dessa história, em compartilhar momentos alegres e apoiar naqueles que são tristes. Fazer parte da tua rede de apoio e amor por aqui, minha casa estará sempre aberta. Te deixo um recado: fique tranquila/o, aprendi a aceitar as ausências (devido ao estudo, trabalho, viagens ou a vida em outro lugar), isso não abala o sinto por você, conte comigo sempre. Te parabenizo por cada conquista e valorizo a aposta em seguir o que se propôs, o que deseja, o que você sente.
Como psicóloga atravessada pela migração e pela psicanálise, entendo que cada sujeito constrói seus próprios recursos para viver os ofícios estudantis ou profissionais neste outro lugar. Isso leva um tempo subjetivo, singular, por exemplo, como um processo de análise, então, se precisar de apoio, estou por aqui. O mundo (da faculdade e fora dela) é extremamente desafiador e assustador, mas saiba que o gosto da descoberta daquilo que você quer e da conquista disso, será o melhor que você irá saborear. O ritmo acelerado, sem pausas, com pressa, pode atropelar o teu lado mais bonito, e o corpo falará. Então, como sugestão, dê atenção aos momentos de cuidado, descanso e prazer, pois irão te amparar emocionalmente quando os momentos onde as frustrações ou as mudanças nessa travessia aparecerem.
Para a realização de um sonho, que aqui vou chamar de desejo, seja este um curso superior, um empreendimento, a maternidade ou a migração… é preciso ter muita coragem e pulsão de vida para aventurar-se e traçar projetos. Que este ciclo que se encerra, seja ele a formatura, a mudança de percurso ou o fim deste ano, te permita abraçar e encontrar o conforto no lugar presente. Um novo ciclo já está aparecendo no horizonte, e te convido, caro (a) leitor (a) a refletir sobre os lugares que o sujeito migrante percorre nesta travessia, o lugar da partida e o lugar da “recibida”. O escritor João Guimarães Rosa em seu romance Grande Sertão: Veredas, já nos deixa o recado - “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
Com carinho, Iassana.
Foto: Luigi Costa @luigicostafotos
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