Tainã Rocha
Gicelma Barreto Nascimento
Iassana Scariot
O ser humano é o único ser vivo que usa a linguagem verbal para se comunicar. Falar nos caracteriza e nos une como espécie, mas ao mesmo tempo nos distingue e nos separa, seja pelas fronteiras impostas pelos idiomas, ou pelo mal-entendido intrínseco à comunicação. Ainda assim, fica evidente que o lugar da fala para os humanos é central. Podemos ver isso no modo como nomeamos o primeiro período de nossas vidas: a infância; essa palavra de origem latina que significa "incapacidade de falar". É uma forma curiosa de nomear, pois enfatiza o que nos falta inicialmente e indica a primeira tarefa do infante: aprender a falar. Na infância somos falados por outros (adultos, sociedade, cultura); antes mesmo de nascer já somos falados e, para aprender a falar, necessitamos repetir um discurso que não é nosso, mas que faz parte do universo simbólico no qual estamos inseridos.
Outro exemplo que mostra o lugar da língua é quando pensamos na imposição da própria língua pelos colonizadores. A língua aparece ali como um instrumento de transmissão de uma cultura que busca se sobrepor e eliminar a outra. Portanto, a linguagem tem um lugar muito importante. As palavras transmitem sentido, cultura, história, memória, visão de mundo... E para falar é preciso assimilar esses aspectos. Não se trata apenas de gramática, é preciso entrar no universo simbólico da língua que se fala ou quer falar.
Nosso jeito de pensar, o modo como nos sentimos, nossa autoimagem, a maneira como vemos o mundo, tudo isso está determinado pela nossa língua. É por meio das palavras que conhecemos o mundo. Estamos o tempo todo traduzindo nossas experiências em termos linguísticos, em nossa língua materna. Essa tradução é a nossa forma de construir a realidade, de nos apropriarmos de nossas experiências. Escrevemos nossa história e construímos nosso mundo por meio da linguagem, ao mesmo tempo que a linguagem indica os limites dentro dos quais nosso mundo pode ser construído. Quantas vezes as palavras se mostram insuficientes, não é? Como se elas não pudessem dar conta de tudo o que vivemos. Aí aparece uma questão muito importante: precisamos nomear para reconhecer, o ato de nomear é um ato de reconhecimento.
Mas não contamos com uma infinidade de palavras e às vezes as inventamos para dar conta dessa necessidade. Sim, faltam palavras, e nos damos conta disso também quando começamos a aprender outro idioma. É quando percebemos o intraduzível de muitas expressões ou aspectos culturais de um lugar, mas também que há traduções que não são capazes de dar conta plenamente da palavra traduzida. Ou seja, mesmo quando traduzimos uma palavra, algo se perde, é uma tradução parcial. O que se perde? O componente histórico, afetivo, cultural que torna aquela palavra única, traduzível apenas em parte, o que significa que não podemos compreender de todo seu significado. É preciso ressaltar que nenhuma palavra é neutra, elas estão habitadas, são palavras carregadas de sentido condensado, que possuem uma história. Quando traduzimos uma palavra de um idioma para outro, ignoramos que cada expressão teve uma história diferente, portanto, não são totalmente compatíveis. A língua também representa uma cultura e uma história.
Então podemos perceber o quão complexa é a coisa. Falar em outra língua exige que saiamos de nosso universo, do contexto em que compartilhamos códigos, e que entremos em um campo desconhecido, com outras regras, outra lógica, outros sons. É necessário que haja um movimento interno de consentimento, o sujeito precisa consentir. Não se trata de uma decisão consciente, mas sim de aceitar ser representado por essas palavras, de aceitar ser portador de um discurso que não é seu, para então poder se apropriar da linguagem e fazer com que essa língua também seja sua.
Mas essa é uma posição muito difícil, principalmente para o adulto. Gostamos de ter controle sobre as coisas. E para muitas pessoas, falar sem entender tudo o que se está dizendo é um desafio. Sente-se um certo incômodo, medo de errar, de ser mal interpretado, há uma preocupação com a pronúncia, se sente vergonha, se resiste... Alguns dizem: "Falarei quando eu souber", ou seja, recusam-se a falar, praticar, enquanto não se sintam seguros, mas é possível se sentir seguro e aprender um idioma sem realmente falar? Usamos mecanismos para falar diferentes dos que usamos para pensar. Pode-se imaginar um som, mas só falando poderemos ouvir como realmente conseguimos reproduzi-lo ou não.
Falar outra língua é voltar a ocupar o lugar de infante, quer dizer, de incapacidade de falar. E o que as crianças fazem? Elas experimentam, produzem sons, criam frases, brincam com as palavras. E assim elas aprendem. Mas antes sentem angústia por não conseguirem colocar em palavras o que querem ou sentem, por depender da interpretação do outro para serem compreendidas. Algo disso entra em jogo novamente quando o adulto começa a falar uma língua estrangeira. Essa angústia aparece atenuada nas aulas, mas quando existe uma necessidade, ou seja, quando se tem que ir morar em outro lugar e há uma dependência dessa língua para habitar esse novo território, o desconforto é maior. Mesmo em uma viagem, pode-se sentir certo mal-estar por não saber ou por não querer falar. Então podemos comparar falar uma língua estrangeira com entrar em outro território: Você chega, inicialmente não se sente muito confortável, você precisa de um tempo para se acostumar com as regras e costumes do novo lugar, você passa por um processo de assimilação da cultura e então esse lugar-língua estranha se torna mais familiar.
Temos uma relação muito próxima com a nossa língua materna, tanto que algumas pessoas quando ficam muito bravas ou sob a influência de uma emoção muito intensa sentem necessidade de falar no seu idioma. Por outro lado, nossa relação com a língua estrangeira é menos passional, já que não nos identificamos tanto com ela. Talvez por isso existam pessoas que conseguem dizer na língua estrangeira o que na sua língua materna seria intolerável. É como se o novo idioma tivesse a capacidade de contornar as proibições internas sobre o que pode ou não ser dito. As palavras estrangeiras têm outro peso. Então, talvez falar outra língua nos permita lidar com algumas questões de nossa vida de outra forma, quem sabe menos intensa, e nos abra outro campo de sentido que possibilite a criação de nossas próprias narrativas, um pouco mais distantes daquelas com as que o outro nos nomeou.
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