Estrangeiro, em seu sentido figurado, quer dizer quem não pertence ou que se considera como não pertencente a uma região, classe ou meio; forasteiro, ádvena, o diferente, o estranho. Quem nunca se sentiu fora de lugar? Em uma posição diferente, seja na família, grupo de amigos, instituições, cidade ou país.
Não precisa mudar de cidade ou país para se sentir estrangeiro, porém a experiência da migração pode produzir várias inquietações. O migrante é alguém que desafia a alteridade pois transita de um lugar a outro. Nesse sentido, as experiências e vivências desse percurso traz consigo implicações psíquicas profundas que fazem marcas na subjetividade e identidade dos sujeitos que a vivenciam .
Essa sensação, a depender de cada um em sua singularidade, pode provocar numerosos sentimentos e vivências. O sofrimento e o luto são algumas delas, acarretados por não poder se reconhecer no novo lugar, por sentir que não faz parte dali, por haver deixado para trás o conhecido. Esse vazio produzido pelo encontro com a ausência de referências toca um ponto de desamparo que gera angústia.
Isso pode suscitar um movimento de tentar se moldar onde sente que não encaixa, aqui nos referimos a uma negação de si mesmo para ser aceito pelo outro, mas também pode provocar um movimento de mudança de si e do outro através do encontro com o que nos é estranho. Desse modo, as relações entre sujeitos em sua radical alteridade, bem como o encontro com outra cultura, podem produzir questionamentos de pontos de vista fixos e experimentação do inesperado, do surpreendente.
Somos então convocados ao ato: ficar ou voltar? Para os que decidem ficar, a tarefa agora é construir um lugar para si, recomeçar uma vida. Como encontrar um lugar onde parece não haver espaço? O estrangeiro parece ser aquele que tem que plantar seu jardim em plena estrada, mas o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade já dizia que é possível uma flor nascer na rua, furar o asfalto, e é preciso estar disposto a realizar as mudanças necessárias para isso.
Diante disso, como a psicanálise pode ajudar nesse processo?
O psicanalista oferece um espaço de escuta para falar do desconforto produzido pela condição de estrangeiridade; também acompanha, lado a lado, no processo de adaptação e de mudanças que afetam a subjetividade. Uma das grandes descobertas de Freud é que o homem é impelido por algo que lhe é estrangeiro e que somos seres divididos. E o que isso significa? Que muitas vezes nos deparamos com situações às quais não foram sonhadas, desejadas ou queridas por nós. Pensar na aceitação desta condição para poder viver melhor com ela, e para isso, cada sujeito tem um tempo distinto, um tempo próprio. A psicanálise ao possibilitar que o sujeito olhe para essas questões, e se familiarize com o estrangeiro que há em si, pode facilitar a modificação da relação singular com outras pessoas e outras culturas, permitindo-lhe transformar aquilo que tem função de hostilidade em hospitalidade.
Gicelma Barreto Nascimento, Iassana Scariot, Tainã Rocha.
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